Andréi Korovin/ Андрей Коровин


 

Escrevo de Zelenogradsk, no oblast de Kaliningrado, cidade banhada pelo Mar Báltico. Aqui é uma das cidades em que acontece o XX Festival Internacional Voloshin de Literatura, ao qual tive a honra de participar como jurado do prêmio de poesia organizado pelo evento. Uma programação intensa com várias atividades, mas algo me chamou a atenção: a ênfase do festival ser toda na leitura. Não houve mesas redondas nos quais os autores discutiriam temas como “o papel da poesia nos dias de hoje”, ou algo do tipo. Não. Era o autor - de prosa ou de poesia - diante do público falando de seu trabalho: lendo ou recitando de cor. 

Na última quarta, tive a oportunidade de fazer uma apresentação no qual fiz um balanço da recepção da poesia russa no Brasil e, no final, recitei algumas traduções minhas. Contei com a presença de Andrei Korovin, poeta e organizador do festival, que recitou os textos no original. Recitamos: Maksimilian Voloshin, Óssip Mandelstam, Joseph Brodsky e, Nicolai Gumiliov, poeta que selou nossa parceria em recitais. Juntos fizemos uma apresentação no Festival Gumiliov do famoso poema “Bonde Extraviado”. Como se tratava de uma obra clássica, Korovin sugeriu que fizéssemos algo mais dinâmico: ao invés de se recitar o texto na íntegra e em seguida sua tradução, que alterássemos uma estrofe em russo e outra em português. 

O tempo de ensaio foi pouco. Ficamos em uma sala na biblioteca que seguiu o evento.  Ao terminarmos de conferir a lista, Korovin me perguntou: “E o poema meu que você traduziu, vamos recitar?”. Falei que sim. “Seria o gran-finale”. Korovin lembrou que eu havia traduzido um poema longo e que por isso seria melhor deixar para outra ocasião. Neste meio tempo, ao pesquisar na minha pasta de arquivos me deparei com  traduções inéditas que fiz da poesia dele. 

Por conta do tempo, não foi possível recitar os poemas que apresento-os agora. 

***

toda manhã

ela poda

florezinhas murchas

de aroma de fumo

a enfeitar um café de rua

na Leningradskaia

toda manhã

eu a observo

a passar ao lado

saudações lhe faço

mas ela não me nota

e quando ela não está 

não sei porque em furto

cheiro as florezinhas

de aroma de fumo

que cheiram a delícia

de lilases especialmente

pela manhã

e naqueles minutos

ela está me brechando

da janela do café

e abre um sorriso.


Девушка в летнем кафе


каждое утро

она обрывает

увядшие цветки

душистого табака

украшающего уличное кафе

на Ленинградке


каждое утро

я любуюсь ей

проходя мимо

и говорю здравствуйте

но она меня не замечает


а когда её почему-то нет

украдкой нюхаю цветки

душистого табака


сиреневые пахнут 

особенно вкусно

по утрам


в эти минуты

она подглядывает за мной

в окно кафе


и улыбается



Diálogo


eu falo pra ela: houve amor

ela fala: não houve

eu pergunto a ela: houve amor?

responde: houve

ela fala pra mim: houve amor

eu falo: não houve

ela me pergunta: houve amor?

respondo: houve

ficamos em silêncio

um contra o outro

conversamos


Homem barco a vela


Sou o homem barco a vela

quem me ultrapassa é o vento

quem me ultrapassa é ela

quem me ultrapassa é o tempo


mas se todos eles somem

eu próprio me ultrapasso

visto que não só barco

eu ainda sou um homem


Человек-парус

я – человек-парус
меня подгоняет ветер
меня подгоняет женщина
меня подгоняет век

а если никого из них нету
я сам себя подгоняю
я ведь не только – парус
я ещё – человек

***
Publicado na edição de 16 de setembro de 2023

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