Nicolai Kliuev/ Николай Клюев



 Na Rússia há uma terminologia para uma literatura feita por pessoas que vieram do universo rural: “Krestyanskaya literatura”.  O adjetivo “Krestyan” é utilizado para nomear a força de trabalho do campo: os agricultores,  rurícolas ou campesinos. 

Do ponto de vista cultural, esta nomenclatura poderia estar, de alguma forma,  aproximada da nossa “cultura regional”. De modo deliberado, vamos evitá-la aqui, pois, tal expressão traz um terrível vício de origem, o de demarcar São Paulo e Rio de Janeiro como centros e todos os demais estados da federação achatados num mesmo balaio. Por esta razão, vamos empregar o termo “literatura rural”. E é dentro desta categoria que vamos apresentar o poeta Nicolai Kliuev, representante da chamada “nova poesia rural”.

Nascido em 1884, num vilarejo que hoje pertence ao oblast de Vologda, Kliuev atuou como agitador do sindicato rural, na Revolução de 1905, vindo a ser preso por conta disso. Sua estreia na literatura se deu em 1904, no almanaque “Novos poetas”, de São Petersburgo. Sua obra foi bem recepcionada por Aleksandr Blok, Valeri Briusov e Nicolai Gumiliov. 

Nicolai Kliuev foi uma influência decisiva na formação do poeta Sierguéi Iessiênin (1895-1925), que o declarou como seu mestre. Kliuev foi citado pelo escritor Ariano Suassuna no artigo “Porque não sou comunista”, publicado na edição de 7 de agosto de 1977, no Diário de Pernambuco: “(...) O marxismo ortodoxo e dogmático, com sua supervalorização exclusivista da atividade industrial e da automação, e com sua visão economicista do mundo e do homem é, nisso, um aliado do Capitalismo; e ambos consideram o modo de vida citadino e urbano como estágio de vida por natureza superior ao camponês e agrário, este por eles encarado sempre como agente do patriarcal do feudalismo e portanto como um inevitável portador de um reacionarismo contrário ao espírito da Revolução. Veja-se uma prova. Criticando o Poeta russo Kliuev, a quem censurava por seu amor ao campo, escrevia Trótski num texto que pode ser subscrito por qualquer marxista dogmático ou por qualquer entusiasta do capitalismo industrial e desenvolvimentista: 'Kliuev aceitou a Revolução... à moda de um camponês... mas a Revolução é antes de tudo uma revolução citadina (...)”.


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Na tradução que fizemos abaixo é possível flagrar a dimensão participativa da lírica de Kliuev:


“Como um escravo sem resposta

À sepultura eu irei

Sob uma cruz de pinho posta

O meu quinhão encontrarei”


Esta canção sempre a cantou

Meu pai em dor e sacrifício

E como herança me legou

Não ter jamais que cantar isso.


Não vai ser em paternos ais

Que soará minha canção,

Mas sob a terra voará 

Como um estrondo de trovão.


Não como escravo que não fala

que seu viver vai praguejando

Mas como águia que se embala

Livre assim será o meu canto. 

***


«Безответным рабом

Я в могилу сойду,

Под сосновым крестом

Свою долю найду».


Эту песню певал

Мой страдалец-отец

И по смерть завещал

Допевать мне конец.


Но не стоном отцов

Моя песнь прозвучит,

А раскатом громов

Над землёй пролетит.


Не безгласным рабом,

Проклиная житьё,

А свободным орлом

Допою я её.



<1905>


Vítima da repressão do período stalinista, Nicolai Kliuev morreu em Tomsk, na Sibéria, em 1937. Sua sepultura nunca foi encontrada. 

Esta é a primeira tradução de Kliuev para o português.  


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Publicado na edição de 23 de dezembro de 2023, do jornal A União. 
O poeta e músico Marco di Aurélio colocou melodia nesta tradução.



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