Vladimir Nabokov/ Владимир Набоков


 

Conhecido no mundo inteiro por sua prosa, mais especialmente pelo romance Lolita,  Vladimir Nabokov, escreveu mais de quinhentos poemas em russo. Se sua ficção pode ser enquadrada no pós-modernismo, seus poemas primam pelo domínio absoluto do sistema sílaba-tônico. 

Nascido em 1899, em São Petersburgo, Vladimir Nabokov era de uma família nobre. Desde a infância foi educado em três línguas: francês, inglês e russo. O avô havia sido ministro dos tzares Aleksandr II e Aleksandr III, seu pai era um proeminente líder político. 

Em 1917, quando aconteceu a Revolução Bolchevique, a família mudou-se para a Crimeia. A estreia em livro se deu, ainda na Rússia, em 1918, com Dois caminhos, em parceria com Andréi Balachov, seu colega de escola.

Mas foi no exílio que Vladimir Nabokov desenvolveu seu talento como poeta. Sua condição de poeta imigrante, a dor de estar longe de casa, eram uma constante em suas criações poéticas como é perceptível  nas traduções que fiz abaixo.



Barulho calmo


Quando num bairro ao litoral

Na noite úmida, entediado

Vás à janela e ao longe caem

Sons de sussurros derramados


Escute e faça a distinção

Do som do mar que ofega a seco ,

Para a alma dele dá atenção

A noite se fechando em cerco


O som do mar é indistinguível

O dia todo e outro esgueira-se 

Chamando tal como um vazio

Copo de vidro à prateleira. 


De novo a insônia e no silêncio

Vás à janela e a abres fundo

Ficas com o mar a sós na imensa

Tranquilidade deste mundo.


Sem som do mar,  noite calada,

Por mim é ouvido outro andamento:

O calmo som da minha pátria

Seu respirar, seu batimento. 


Toda paleta de voz lá

Com o que me é caro e foi embora

Versos de Púchkin a embalar,

Queixas do bório da memória


Nele há descanso e alegria,

Bênção do exílio... E não é ouvido

Barulho calmo  pelo o dia

Devido a zoada e o alarido


Mas meia-noite faz silêncio

Longo rumor insone invade 

Do chão natal, seu soar tenso,

Sua imortal profundidade.


6 de julho de 1926


***

Когда в приморском городке,

средь ночи пасмурной, со скуки

окно откроешь, вдалеке

прольются шепчущие звуки.


Прислушайся и различи

шум моря, дышащий на сушу,

оберегающий в ночи

ему внимающую душу.


Весь день невнятен шум морской,

но вот проходит день незваный,

позванивая, как пустой

стакан на полочке стеклянной.


И вновь в бессонной тишине

открой окно своё пошире,

и с морем ты наедине

в огромном и спокойном мире.


Не моря шум — в тиши ночей

иное слышно мне гуденье:

шум тихий родины моей,

её дыханье и биенье.


В нём все оттенки голосов

мне милых, прерванных так скоро,

и пенье пушкинских стихов,

и ропот памятного бора.


Отдохновенье, счастье в нём,

благословенье над изгнаньем...

Но тихий шум не слышен днём

за суетой и дребезжаньем.


Зато — в полночной тишине

внимает долго слух неспящий

стране родной, её шумящей,

её бессмертной глубине...


6 июня 1926

   



***

Fuzilamento


Noites ocorrem: e escorrego

À Rússia a nado no espaldar

Me levarão a um campo aberto,

A um campo aberto pra matar.


Desperto, escuridão, no assento,

Relógio, fósforos e é  quando

Nos olhos como um cano atento

Arde o visor me observando. 


Peito e pescoço: uma mão em cada,

Vão atirar em mim e é logo

Não ouso dar nenhuma olhada

No opaco círculo de fogo


Em seu torpor a consciência

Ao tique-taque um toque apura

Estar no exílio é uma bênção

Sinto outra vez a cobertura. 


O coração, porém, queria

Que fosse assim: a Rússia, estrelas,

Fuzilamento à noite e viam-se

No campo aberto cerejeiras.


1927

***


Бывают ночи: только лягу,

в Россию поплывет кровать,

и вот ведут меня к оврагу,

ведут к оврагу убивать.


Проснусь, и в темноте, со стула,

где спички и часы лежат,

в глаза, как пристальное дуло,

глядит горящий циферблат.


Закрыв руками грудь и шею, —

вот-вот сейчас пальнет в меня —

я взгляда отвести не смею

от круга тусклого огня.


Оцепенелого сознанья

коснется тиканье часов,

благополучного изгнанья

я снова чувствую покров.


Но сердце, как бы ты хотело,

чтоб это вправду было так:

Россия, звезды, ночь расстрела

и весь в черемухе овраг.


1927 г.

A única tradução que conheço da poesia de Nabokov no Brasil é de Zoia Prestes e foi publicada na revista Poesia Sempre, em 1999


***
 Publicado na edição de 16 de março de 2024 do jornal A União. 

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