Vladimir Maiakovski/ Владимир Маяковский (16)
Vladimir Maiakovski
Quando a revolução russa destronou o tzar e implantou o regime comunista na Rússia, em 1917, Vladimir Maiakovski (1893-1930) não teve quaisquer dúvidas em aderir aquela revolução que chamou de sua. No segundo episódio da minissérie “Maiakovski. Dois dias” (2011, direção Dmitry Tomachpolsky e Aliona Demyanenko) é mostrada uma passeata liderada pelos marinheiros que gritavam um poema de Maiakovski que era repetido em coro pelos manifestantes:
Come abacaxi e faisão de uma vez
Teu último dia, vai chegar, burguês
Ешь ананасы, рябчиков жуй,
День твой последний приходит, буржуй.
Embora a palavra “ananás” em russo, seja, praticamente, a mesma em russo e em português, elas pertencem a registros diferentes: no falar brasileiro, o vocábulo adquire uma solenidade que não ausente no original; o “ananás”, em russo, é uma palavra simples, presente nas etiquetas dos supermercados. Já no Brasil, um feirante que anuncia seu produto: “olha o abacaxi”, dificilmente gritaria: “olha o ananás”.
Até hoje na Rússia o abacaxi não é uma das frutas mais baratas. Em 1925, ao viajar para os Estados Unidos, Maiakovski passeou por Havana e com espanto constatou que “o abacaxi para eles é como a batata para nós”. Mais do que um traço de opulência burguesa, a referência ao abacaxi feita por Maiakovski é, ainda, um intertexto com um outro expoente do futurismo, o poeta Igor Sievieriânin (1887-1941)
Em 1915, foi realizada a primeira Olimpíada Futurista, uma série de noites literárias realizadas no sul da Rússia. Sievieriânin já era um poeta consolidado, Maiakovski, um iniciante. Após uma apresentação na Crimeia, Maiakovski colocou abacaxi no champagne e gostou tanto da mistura que sugeriu a Severyanin que provasse também. “Igor Vasilievich, prove abacaxi no champagne, é uma delícia estonteante”. Severyanin pegou as palavras de Maiakovski e a partir delas improvisou o seu poema “Abacaxi no champagne”, que deu nome ao terceiro livro de Sievieriânin, lançado naquele mesmo ano.
No poema de Maiakovski, a ave devorada pelo burguês é o “Ryabchikov” cujo nome científico é: “Tetrastes bonasia”, que em uma tradução não artística seria: “galinha-montês”, que pertence à família dos “Phasianidae”, na qual estão também a perdiz e o faisão, optamos por este último tendo em vista que a intenção do poeta foi mostrar a opulência em que vivia o burguês. No imaginário brasileiro, comer faisão é associado a uma excelente condição social, como pode ser visto na canção de Ednardo: “Somos uns compositores brasileiros”: (...)Aprendemos com a alta classe/ A gostar do vinho/ E a comer faisão (...)”.
A escolha por traduzir o verbo “жуй” (juy), que numa tradução literal é “mastigar”, por devorar, procura trazer o senso de vulgaridade presente no original. Na série “O testamento de Lenin” (2007), produção russa sobre a vida do escritor Varlam Chalamov, sempre que os detentos dos campos de trabalho forçado, ou mesmo os funcionários que trabalhavam lá, sempre ao se referirem ao ato de comer usavam este mesmo verbo.
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Publicado na edição de 5 de novembro de 2022 do jornal A União.
Tradução retrabalhada em 13 de março de 2024.
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