Vielimir Khlébnikov/ Велимир Хлебников



Nenhum outro poeta russo como Velimir Khlébnikov (1885-1921)  se encaixou tão bem na categoria de “inventor”, advinda das postulações teóricas do poeta americano Ezra Pound expressas em seu Abc da literatura, propagandeado pelos irmãos Campos como uma espécie de Evangelho e aceito como tal não apenas entre os simpatizantes do concretismo. 

Inegável o impacto na formação do público leitor brasileiro da antologia Moderna poesia russa, publicada em 1968, trabalho feito por Haroldo de Campos, seu irmão Augusto e por Boris Schnaiderman autor do prefácio da obra no qual ficava claro que o critério de escolha era o da radicalidade inventiva. 

Do ponto de vista da percepção russa, há que observar que 1) Ezra Pound, como teórico, sequer foi traduzido e  seu “paideuma”  não teve serventia a uma tradição na qual praticamente todo grande poeta é uma espécie de teórico 2) Maiakovski, embora seja um poeta de grande importância, está longe de desempenhar o papel central que lhe foi dado por seus apologistas no Brasil.  

Além da presença central na antologia, Velimir Khlébnikov foi traduzido duas vezes por Marco Lucchesi: Poemas de Khlébnikov (1993) e Eu e a Rússia: poemas de Khliébnikov (2014). O cantor e compositor Belchior chegou a musicar uma tradução de um poema de Khlébnikov. 

Figura central da poesia russa, Khlébnikov precisa ser entendido dentro do contexto histórico no qual foi inserido. Ele não surgiu de si próprio. Do nada. Foi importantíssimo em sua formação frequentar as reuniões do poeta simbolista Viacheslav Ivanov (1866-1949) e Mikhail Kuzmin (1872-1936), a quem chamava de “professor” e que foi motivo de briga de Khlébnikov com seus colegas futuristas que incluíram de modo ofensivo o nome dele no manifesto “Uma bofetada para o gosto do público”. 

***

 Deixo aqui três traduções minhas de poemas  de Velimir Khlébnikov.


Tarde. Sombra

Copa. Lombra.

sem incômodo, tarde ébria 

Em cada olho corre um alce.

Em cada olhar anos são lança 

e quando o ocaso ferveu o cósmico azinhavre

de um banco de praça fez um menino arruaça

foi voando e esgoelando-se: “assa!”

e bem mais destro que direito

eu fui mais verbo que esquerdo. 

1908

 

Вечер. Тени.

Сени. Лени.

Мы сидели, вечер пья.

В каждом глазе – бег оленя

В каждом взоре – лет копья.

И когда на закате кипела вселенская ярь,

Из лавчонки вылетел мальчонка,

Провожаемый возгласом: «Жарь!»

И скорее справа, чем правый,

Я был более слово, чем слева.


1908 г.


***

Elefantes com as presas pelejaram tanto 

Que pareciam com pedras brancas

Sob a mão de um artista

Cervos com os chifres se entrançaram tanto

Que parecia que os unia um casamento antigo

Com mútuos divertimentos e mútua infidelidade.

Rios derramaram-se no mar tanto 

Que parecia: a mão dum a esganar o pescoço doutro. 

<1911>


Слоны бились бивнями так,

Что казались белым камнем

Под рукой художника.

Олени заплетались рогами так,

Что казалось, их соединял старинный брак

С взаимными увлечениями и взаимной неверностью.

Реки вливались в море так,

Что казалось: рука одного душит шею другого.


                                                                                                                                              <1911>


***

Mais uma vez, mais uma vez

eu para vocês

sou uma estrela

Ai do marinheiro, que a um ângulo em erro

o seu navio leva

e as estrelas:

Ele vai se quebrar nas pedras

no raso de um baixio

Ai de vocês, que levam

o coração de um ângulo em erro até a mim

Vocês vão quebrar nas pedras

E as pedras vão zombar

de vocês

como vocês zombaram

de mim. 


1922


Еще раз, еще раз,

Я для вас

Звезда.

Горе моряку, взявшему

Неверный угол своей ладьи

И звезды:

Он разобьется о камни,

О подводные мели.

Горе и вам, взявшим

Неверный угол сердца ко мне:

Вы разобьетесь о камни,

И камни будут надсмехаться

Над вами,

Как вы надсмехались

Надо мной.


1922 г.


***
Publicado em 7 de outubro de 2023 na edição do jornal A União

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