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Vassíli Natsentov/ Василий Нацентов


 


Vassíli Natsentov tem 24 anos. É uma das grandes nomes da novíssima poesia russa. Entre suas referências máximas cita Ievguêni Ievtuchenko. “No seu último aniversário, comemorado em Moscou, eu passei com ele”, diz com certa alegria. Autor de um livro,  Natsentov já publicou nas principais revistas literárias do país como Novy Mir, Oktyabr, Znamya. Vencedor do prêmio «Zvozdnyy bilet», foi finalista do prêmio  «Litsey», o mais importante conferido a autores com até 35 anos, na Rússia.

Mora em Voronej, cidade onde seu poeta preferido, Óssip Mandelstam, amargou seu degredo. “Não é possível viver em Voronej e não pensar nele”, disse.  

Conheci-o no Festival Voloshin de Literatura, ocorrido em Kaliningrado. Além de sua expressiva poesia, cheia de personalidade, Vassili Natsentov recita autêntica expressividade. Como se em sua voz ecoasse a voz dos poetas do passado. 

Estivemos juntos em uma escola de ensino médio, de Kaliningrado, e antes de recitar o poema que traduzi abaixo, Natsentov contou uma história, para que os jovens entendessem melhor o sentido de seu texto. “Quando Nabokov ministrou uma série de aulas sobre literatura russa, para exemplificar a importância de cada autor a ser estudado, identificou-os com janelas que iam sendo abertas uma a uma. Quando chegou à última, que ao ser aberta, inundou a sala inteira com a luz do sol que raiava, Nabokov disse: esta janela aqui é Tolstoi”. 


***

dois dias três ou o verão todo que flui -

não virar a cabeça nem distorcer o chão da luz

do choupo em penugem ouriço antitanque

a cidade veraneia numa noite irreparável -

o samovar com carimbo Shemarin sobre a lenha descansa

parece que lá há um pavão e um de seus irmãos meio virado

meninas nuas em camiseta como infantaria vulneráveis

doce dicionário catastrófico consolação ao que dói

mas depois arregalar os olhos como as cortinas de manhã

como nabokov em seu curso ao falar de tolstoi


***
…день два три или целое лето —
голову не повернёшь не ввернёшь цоколь света
тополиного пуха противотанковый ёж
город летней ночью непоправим —
самовар на дровах с клеймом шемариных:
кажется там павлин и один из братьев вполоборота
девочки в майках на голое тело уязвимые как пехота
сладкий словарь катастрофный утешенье трудом
а потом распахиваешь глаза как шторы утром
как набоков на лекции говоря о толстом


***

Seguindo a lição do compatriota Khodassiévitch, para quem cumpria ao poeta ouvir a música de seu tempo, gostasse dela ou não, Vassili Natsentov não ficou alheio aos acontecimentos que o rodeiam. Traduzimos a segunda seção deste poema dividido em partes, publicado na edição de setembro da revista  Znamya, de Moscou. 


A guerra costura em agulha cigana...


II

Pessoal, que regressou para cá,

não temem nada. Eles tudo viram.

Eu, que aqui fiquei, tenho medo de tudo,

até de mim mesmo.

Eles são veteranos de ações em batalhas,

têm insígnias da polícia militar.

A eles tudo pode. Porque eles viram tudo,

porque eles são defensores e invasores,

são culpados e têm culpa,

traidores e patriotas.

De cara: isto e aquilo.

Eu não sou nem patriota, nem traidor,

não tenho culpa e não sou culpado,

não sou defensor e nem invasor.

Eu sou ninguém, ninguém.

Obrigado a Você, Senhor Deus! 

***


Война сшивает цыганской иглой…


II

Ребята, которые вернулись оттуда,

ничего не боятся. Они всё видели.

Я, оставшийся здесь, боюсь всего,

даже самого себя.

Они ветераны боевых действий,

у них нашивки военной полиции.

Им всё можно. Потому что они всё видели,

потому что они защитники и захватчики,

виновные и виноватые,

предатели и патриоты.

Сразу — и те и другие.

Я ни патриот и ни предатель,

ни виноватый и ни виновный,

ни захватчик и ни защитник.

Я никто, никто.

Спасибо Тебе, Господи!


 Atualmente, Vassili Natsentov está em Moscou, num programa de residência na dacha Peredelkino, onde morou Pasternak, trabalhando numa coletânea de contos. 


***
Publicado na edição de 28 de outrubro de 2023 do jornal A União
audaci@gmail.com

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