Sierguéi Iessiênin/ Сергей Есенин


 

Talvez Sierguéi Iessiênin (1895-1925) seja um dos poemas mais multifacetados da poesia russa.  Por ser originário de uma família de agricultores e por escrever muito sobre a paisagem campesina, Iessiênin é constantemente associado com a poesia rural. Deste veio temático, traduzimos um dos poemas mais significativos. Aqui tomamos a liberdade de usar um léxico mais próximo à realidade sertaneja, de modo “izbúchka”, casa precária construída no campo, veio a ser “ranchinho” e “chuchun”, tradicional traje feminino virou “vestido de chita”. 


Carta à mãe


Tu ainda estás viva, minha velha?

Eu vivo estou. Olá te mando, olá!

Que flua sobre o teu ranchinho aquela

Indescritível luz crepuscular


Escrevem-me que em ânsia tu definhas

E que ficou triste demais comigo,

Ao pé da estrada sempre te encaminhas

Num vestido de chita bem antigo. 


Que à noite quando o azul da treva faz-se

A uma mesma visão ficaste presa

Como se alguém numa taverna  enfiasse

No meu peito uma faca finlandesa. 


Não é nada disso! Fica calma, para!

Isto é somente um pensamento torto. 

Não sou um amargo enchendo sempre a cara

Que se eu não for te ver estarei morto. 


Eu sou o mesmo carinhoso de antes

E sonho apenas em ver como se acha

Uma fuga à saudade angustiante 

Regressando pra a nossa casa baixa. 


Voltarei quando no jardim a fora

Primavera brotar na ramaria

Só não me acorde ao nascer da aurora

Como há uns oito anos tu fazias


Não desperte o que se deixou num traço

Nem crie caso com o que não pôde ser

Cedo demais as perdas e os cansaços

Me ensinaram na vida o que fazer


Não me ensine a rezar. Não quero. Aceite. 

Retornar ao que foi não é possível.

És sozinha minha ajuda e meu deleite

És sozinha minha luz indescritível. 


Esqueça, então, desta ânsia pesada

Não vá se entristecer demais comigo 

Não fique indo tanto ao pé da estrada

Num vestido de chita bem antigo. 


1924 


***

O último poema escrito por Iessiênin acabou se tornando sua composição mais conhecida. Escrito à véspera de sua morte, no hotel Angleterre, em São Petersburgo. Sem dispor de tinta quando o fez, o poeta escreveu o poema com seu próprio sangue. No Brasil, este poema foi inicialmente traduzido por Augusto de Campos e incluído na antologia Moderna Poesia Russa, que ele organizou e traduziu em parceria com o irmão Haroldo e Boris Schnaiderman. 

Até hoje pairam ainda muitas dúvidas se realmente Iessiênin se matou ou se foi assassinado. Em nossa tradução, procuramos manter a musicalidade bem como o uso de palavras simples, presentes no original. 



Até a próxima, meu amigo, até.

Que em meu coração você se guarde.

Separação predestinada é

Um encontro que ocorrerá mais tarde


Até mais, não me acene ou fale e nem

Feche a cara, amuado, em desaprovo. 

Nesta vida morrer não é novo e nem

Estar vivo, por certo, é algo novo. 


1925


***
Publicado na edição de 9 de março de 2024

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