Óssip Mandelstam/ Осип Мандельштам


 


Um dos elementos mais presentes na poesia russa é a música. Se observarmos só a Era de Prata teríamos: Mikhail Kuzmin (1872-1936), poeta a quem Velimir Khlébnikov considerava o seu professor, que também era músico e compositor erudito; Boris Pasternak (1890-1960), que chegou se preparou para entrar no conservatório de Moscou; Marina Tsvetáeva (1892-1941), cuja mãe Maria Meyn, era pianista, bem como Flora Verblovskaya, mãe de Óssip Mandelstam (1891-1938), também o era. 

Seguramente, Mandelstam foi o poeta para quem a música desempenhou  um papel determinante na composição: ele criava primeiro a melodia e depois compunha o poema oralmente. 

Levamos todo este contexto em consideração ao traduzir o poema de abertura de Pedra (1913), livro de estreia de Mandelstam e  o mais acmeísta de todos os seus trabalhos, onde se verifica um dos postulados da escola, que era dar ao poeta a função de nomear o mundo, como se o visse pela primeira vez. Não à toa um dos nomes alternativos do grupo era “adamismo”. 


Um som cuidadoso e com surdez

O do fruto, da planta caído,

Em meio ao coral em alarido

Do fundo silêncio que a floresta fez…


1908

***

O sistema da poesia russa é todo estruturado a partir de combinações entre sílabas. No original, temos a predominância do iambo, unidade rítmica  composta por uma sílaba fraca e outra forte. Todavia, Mandelstam logo na primeiro verso desestrutura este andamento ao colocar um troqueu, unidade que é o oposto do iambo: uma sílaba forte sequenciada por uma fraca. Mas por qual razão ele fez isto?  Minha interpretação é a de que Mandelstam, brilhantemente, pôs a forma para ilustrar o conteúdo:  a descrição da queda de um fruto no meio da floresta se dá a partir da própria metrificação.

Tendo em vista que o nosso sistema se estrutura não em pés, mas em sílabas, algo que impossibilita que se marque o estalo da fruta se desprendendo da árvore, optamos por quebrar a estrutura vérsica na tradução, não no primeiro verso, mas no último, ao alongarmos de 9 para 11 sílabas, dando a sensação do fruto em movimento, caindo no chão da floresta. 

Foi fundamental ainda conhecer o intertexto evocado por Mandelstam. Do romântico Jukovski (1783-1852) a imagem paisagística do movimento da queda. Abaixo, o trecho citado, em tradução nossa: 


(...) O alto é desbotado as raízes são de ouro

Só, a brisa ao sopro de um minuto enreda-se,

No ocaso a folha treme um brilho duradouro

Perturbando o silêncio da queda (...)


***

Outra belíssima citação, que também traduzimos, é de Púchkin (1799-1837), que comparece no poema de Mandelstam como uma espécie de eco:


Que será que do meu nome pra ti algo resta?

Ele morrerá igual barulho agonizante

Da onda, espirrando na margem distante

Igual o som da noite na surda floresta


***


A tradução deste poema abre a 2a edição do folheto Sal no machado, com traduções nossas de poemas de Óssip Mandelstam. 

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