Ksenia Nekrássova/ Ксения Некрасова



Talvez a única referência em língua portuguesa  à poeta Ksenia Nekrássova está presente no livro Como ler os russos, do tradutor Irineu Franco Perpétuo, no sétimo capítulo: "Vivendo sob o fogo: Utopias e distopias", no tópico:  “As escritoras russas”, faz-se menção ao “ 'primitivismo' de Ksênia Nekrássova (1912-58)”. 

Como mencionamos em nosso artigo na semana passada, a biografia Ksênia é cheia de mistério. Ela própria dava várias versões sobre dados de sua vida. Nasceu em Altynai, um vilarejo no oblast de Sverdlovsk. Acredita-se que trabalhou em uma usina de metal pesada e, de lá, foi enviada para estudar em Moscou. Mas não há documentos que comprovem isto.

Sua amizade com o artista plástico Roberto Falk rendeu um documentário num dos principais canais de televisão russos, produção de 2018. Foi de lá que retirei o poema cuja tradução apresento a seguir. 


E os dois, então, se encontraram juntos, 

ficou mais leve para ambos o ar,

ficou mais leve encontrar a via

da alegria entre as tantas que há

Ou que apenas no calar da noite, 

no quentinho lilás que há na bruma,

por um canto da estrada, sentados,

e uma mão na outra mão se segura.

***

И встретились двое вместе,

и легче обоим дышать,

и легче дорогу к счастью

средь множества троп искать.

Иль просто вечером тихим

в теплой сиреневой мгле

сидеть где-нибудь на дороге

и руку держать в руке.

***

Desesperada por não publicar, Ksênia Nekrássova chegou a escrever pedindo ajuda ao poeta Konstantin Simonov (1915-1979), então, secretário-geral da União dos Escritores, que a atendeu publicando seus poemas na prestigiosa revista Novy Mir, mas foi um caso isolado. A maioria dos seus poemas foi composta em versos livres, sem rima, conforme a tradução que fizemos, transcrita abaixo. 


Vestido


Deram-me de presente

um vestido de veludo.

Eu tinha

apenas

dois vestidos:

um de lã,

outro de linho.

Deram-me de presente um vestido de veludo

E aqui mesmo

eu o medi em mim,

e fiquei a me olhar no espelho. 

No meio da janela refletida

se erguia um palácio em granito,

um fiapo de som

da prateada neve,

nas janelas congeladas

ardiam os lustres 

e cresciam as bétulas nas paredes.

E foi um milagre aquela combinação:

Eu usando um vestido de veludo,

um palácio

e a neve branca

pelos arbustos,  na terra.

Foi assim que eu me senti

com elegância!

E com este sentimento

eu fui andar

por Moscou.

E todos aqueles

a cruzar-me o caminho

traziam nos renovados rostos

um facho da alegria minha.

E algo eu

gostaria de dar às pessoas:

fazer uma bondade

ou escrever poemas. 


1937


Платье

Мне подарили
бархатное платье.
А раньше
два только платья
было у меня:
льняного полотна
и шерстяное.
 Мне подарили бархатное платье.
Я тут же
и примерила его,
и в зеркало увидела себя.
Средь отраженного окна
гранитный высился дворец,
пушистый звук
серебряных снегов,
в замерзших окнах
люстры тлели,
росли березы у стены.
И чудно было сочетанье:
я в платье бархатном,
дворец
и белый снег
в ветвях и на земле.
Такой казалась я себе
нарядной!
И с этим чувством
шла я
по Москве.
И все идущие
навстречу мне
несли на обновленных лицах
светинку радости моей.
И что-то мне
хотелось людям дать -
добро ли совершить
иль написать стихи.
 
1937г.

***

Publicado na edição de 3 de setembro de 2022 do jornal A União

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