VARLAM CHALAMOV/ ВАРЛАМ ШАЛАМОВ (2)



Mais conhecido no Brasil por sua prosa monumental que pode ser lida no volume de contos Contos de Kolimá, o escritor Varlam Chalámov (1907-1982) foi acima de tudo um poeta.  Por descrever a dura realidade dos campos de trabalho forçados, que vigoraram na antiga União Soviética, seu trabalho literário é com frequência associado ao de Aleksandr Soljenítsin (1918-2008), vencedor do Nobel de Literatura em 1970. A relação entre os dois azedou, apesar de uma tentativa inicial de aproximação, Soljenítsin teve, por exemplo, Chalámov como hóspede em sua dacha, e chegou até a convidá-lo para escrever a obra Arquipélago Gulag a quatro mãos. 

Curioso é que além da temática em prosa, a poesia foi algo que marcou a tumultuada relação entre os escritores. Soljenítsin dizia que preferia a poesia de Chalámov à sua prosa e até mesmo à própria pessoa dele. Por sua vez, Chalamov numa carta escrita a Soljenitsin, nunca enviada, elencou como uma das principais razões de seu desentendimento estético se dava, justamente, em relação à poesia do seu desafeto. A Chalamov causou espécie a forma compulsiva como Soljenitsin escrevia poemas, conforme testemunhou. 

Aprisionado nos campos de trabalho forçado, o ser humano despia-se de qualquer vestígio de humanidade.  Isto é evidenciado por Chalámov em seus contos e também em seus poemas.  Em “Silentium”, que traduzimos em primeira mão para o português, Chalamov recupera um tema cara da tradição poética russa,  da incapacidade da expressão da língua, glosado antes por Fiódor Tiútchev (1803-1873) e Óssip Mandelstam (1891-1938), pondo-o sob a perspectiva de sua experiência. 


Silentium (*)


Sangue e o triste

Daquilo que tu viste

Se voltares para casa, de tudo

Lembra, mudo.


Em embriagez pesada,

Quando a malária arda

Ou

No cavalete onde 

Tua musculatura o carrasco vai rasgá-la,

Cala. 


Se um sonho alegre vier

À tua amada mulher

Mesmo que o sol seus raios espalhe

Não fale


Mesmo pra seu pai

Morto que não vai

Sair do jazigo

Não conte o que ocorreu contigo


À mãe, dê ajuda.

À mãe, iluda. 


À filha,

Filho

No anil

Da noite

Sobre como tu viveste

Nada conte. 


E a amizade certa

Que tua mão aperta,

Abrindo a chave que a teus segredos pertence,

Sobre aquilo: silêncio. 


Mas desperto no último limiar,

Quando a mentira e a verdade já te fadigam

A Deus,

Um bocado daquilo,

Apesar de tudo  diga!


Silentium


Кровь и обиды,

Всё, что ты видел,

Если вернёшься домой,

Помни немой.


В пьяном чаду,

В малярийном бреду,

Либо


На дыбе,

Где мышцы твои рвут палачи,

Молчи.


В счастливом сне

Любимой жене

В свете зари

Не говори.


Даже отцу,

Мертвецу,

На могиле

Ведь не расскажешь были.


Матери – помоги.

Матери – лги.


Дочери,

Сыну

Ночью

Синей,

О том, как ты жил,

Не расскажи.


И, другу

Сжимая руку,

К тайнам своим открывая ключи,

Про это – молчи.


Но на последнем встав пороге,

Устав и от правды, и от лжи,

Богу,

И то немного,

Всё-таки расскажи!

***

(*) Tradução refeita em 22 de fevereiro de 2024.

Publicado na edição de 7 de maio de 2022 do jornal A União

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