Valério Pereliéchin/ Валерий Перелешин (6)
Em 1953, aos 39 anos de idade, aportava no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, Valério Pereliéchin. Nascido em Irkutsk, região próxima à Sibéria, em 1913, com pouco mais de seis anos, foi levado pela mãe, Evgenia Aleksandrova, à cidade de Harbin, na China, uma espécie de enclave do antigo Império Russo, que àquela altura desmoronava sob o rugido das baionetas dos bolcheviques.
A mãe de Pereliéchin fugia da Revolução Russa. A ida ao Brasil, décadas depois, foi ocasionada por outra revolução: a Chinesa. Ao chegar em terras brasileiras, Pereliéchin era um nome de destaque nos círculos de emigração, havia publicado quatro livros de poemas, iniciara sua produção como tradutor, tendo vertido para o idioma de Pushkin, um longo poema de Coleridge, além de ser um dos pioneiros na tradução da poesia chinesa para o idioma russo.
O plano era morar nos Estados Unidos, mas o destino fez com que o destino daquele imigrante fosse o Brasil, terra que lhe deu a “liberdade”, conforme foi dito em um poema. Pereliéchin era gay e havia tentado sufocar sua própria natureza ordenando-se monge ortodoxo. No Rio de Janeiro, onde morou até o fim de sua vida, em 1992, o poeta pode viver sua sexualidade sem as amarras com as quais estava acostumado.
Em 1971, Pereliéchin passou a se corresponder com o jovem escritor Witkowsky (1950 - 2020). Nasceu ali um amor platônico que foi transformado na matéria-prima do livro de sonetos Ariel (1976), no qual Pereliéchin passou a escrever abertamente poemas homoeróticos para escândalo da comunidade russa no exterior.
Pereliéchin sempre contou com a ajuda de amigos que vendiam seus livros. Não foram poucos os que recusaram Ariel por conta de seu conteúdo. Críticos recusaram-se a resenhar o livro. A obra, porém, é tida pelos especialistas como seu melhor trabalho. Compartilho aqui uma segunda versão do poema “No Brasil”, traduzido por mim e publicado na edição de janeiro de 2021, na revista Continente Multicultural.
NO BRASIL
E março deu num pensativo abril,
Sob a janela, umas semanas já
Que entre o Ariel ultramarino há
Uma polêmica com o do Brasil.
Ora se acertem! O quarto eu dividi:
A mesa, o berço (pra sobrinha) lá;
Uma cama pra cada qual terá.
Mesmo no chão, vamos pra cama ali.
Um tem cabelos pretos, branco rosto,
Sua fala é como uma araponga em ais,
Voam raios dos cílios, mas o outro
Contra nós dois de censura faz uso
Pelos incertos tritongos nasais
Mas, simplesmente, chegou falando russo.
В БРАЗИЛИИ
Сменился март задумчивым апрелем,
А под окном уж несколько недель
Полемику бразильский Ариэль
Ведет с другим — заморским Ариэлем.
Столкуйтесь же! Мы комнату разделим:
Стол письменный, пустую колыбель
(Племянницы), и каждому постель,
Хоть на полу, но как-нибудь постелим.
Черноволос один и белолиц,
И молнии летят из-под ресниц,
И речь его — как зовы арапонги
Зато другой обоих нас корит
За смутные назальные трифтонги
И попросту — по-русски — говорит.
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Publicado na edição de 4 de junho de 2022 do jornal A União
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Revisado em 25 de fevereiro de 2024.
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