Anna Akhmátova/Анна Ахматова
Canção do encontro final
Tão sem chão o peito gelava.
Mas meu passo tão fácil fez curva.
A mão destra era a que eu calçava
Com a mão esquerda da luva.
Pareciam ser tantos degraus
mas deles, só três sabia!
Entre o bordo o sussurro outonal
“Vem comigo morrer” - me pedia.
Eu irei enganar o meu lívido
Inconstante e tão malvado fado
Respondi-lhe: “querido, querido!
Eu também. Vou morrer a teu lado”.
É a canção do encontro final.
Vi a casa no escuro em minha frente.
O aposento a arder velas ao
Amarelo fogo indiferente.
1911
***
Песня последней встречи
Так беспомощно грудь холодела,
Но шаги мои были легки.
Я на правую руку надела
Перчатку с левой руки.
Показалось, что много ступеней,
А я знала — их только три!
Между кленов шепот осенний
Попросил: «Со мною умри!
Я обманут моей унылой,
Переменчивой, злой судьбой».
Я ответила: «Милый, милый!
И я тоже. Умру с тобой…»
Это песня последней встречи.
Я взглянула на темный дом.
Только в спальне горели свечи
Равнодушно-желтым огнем.
1911 г.
Esta é a 2 versão que faço tradução de poema de Anna Akhmátova. No original, nós temos um trímetro anapesto , o que confere ao poema um andamento dançante, quase como se estivéssemos em ritmo de valsa.
Anna Akhmátova compôs “Canção do encontro final” para o pintor Amedeo Modigliani (1884-1920), com quem teve um caso amoroso, em Paris.
Na primeira estrofe, a estrutura sinfônica do poema é marcada pela agitação tumultuosa entre o coração (“sem socorro”, numa tradução não artística) que brilhantemente se materializa no segundo verso cheio de assonância (no original “mas meus passos foram leves” o que em russo cria uma incrível sequência de sons em “i”: (no shagI moI bylI legkI). Não foi possível reproduzir toda a exuberância do verso original, mas dispomos algumas palavras com sons em “s” para produzir efeito semelhante: “maS meu paSSo tão fáCil fez curva”).
Anna Akhmátova foi uma das maiores expressões do acmeísmo. Mais do que propor o retorno da objetividade, após o reinado das elucubrações simbolistas, esta escola introduziu, de modo sistemático, as pausas entre os pés, ou seja, onde caíam as acentuações poéticas das sílabas.
Como falamos, “Canção do encontro final” é um poema vertido em trímetro anapesto. Mas, na primeira estrofe, precisamente no último verso, Akhmátova quebra a métrica fazendo uso do recurso literário chamado síncope, além de encurtar o número de sílabas.
A estrofe mostra uma contradição (marcada pela conjunção “mas”) entre o coração descompassado e os passos que se escorrem levemente. A imagem do par da luva esquerda sendo calçada na mão errada não transborda-se também no plano métrico: era como se o eu-lírico, literalmente, tropeçasse. Reproduzir este “erro” foi um dos grandes desafios dessa tradução. De início, encurtei o verso em sete sílabas, mas resultou demasiado abrupto. Por esta razão, decidi por um octossílabo, mas seguindo a mesma acentuação para reproduzir o mesmo andamento musical em russo.
Anna Akhmátova era uma poeta que, magistralmente, conhecia como ninguém os meandros da composição. Na 2 estrofe, outra vez, a poeta quebra o andamento do verso e mais uma vez há um reflexo entre forma e conteúdo: “Pareciam ser tantos degraus/ mas deles, só três sabia!” - o desconhecimento dos degraus que levava até o ser amado converteu-se num verso com um pé quebrado.
Haveria mais o que comentar, mas o espaço é pequeno.
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